26.7.12

Neil Gaiman e Dave McKean entre aspas


Abertura.
“Alguma coisa existe que não aprecia o muro”.
Robert Frost escreveu isso, mas também sugeriu no mesmo poema, Muro Remendado, que “Boas cercas fazem bons vizinhos”, então o que podemos dizer?
A primeira parede.
Tento imaginar quem construiu a primeira parede. O que ele tinha em mente. Ou ela. Proteção? Privacidade? Ou outra coisa.
Construímos nossas civilizações com paredes, que nos dão abrigo e fortaleza. Mantêm distantes “os outros”: as intempéries, os animais selvagens, as pessoas que são diferentes. Ao nos dividirem, as paredes nos definem.
As paredes separam as pessoas; e não só as paredes que construímos. Talvez as mais assustadoras sejam aquelas que não somos capazes de ver, mas em cuja existência acreditamos.
A segunda parede.
Eu tive um sonho a respeito disso quando era pequeno.
No meu sonho havia uma nota, uma nota musical, um som; e quando ela era tocada todas as paredes começavam a ruir. E todas as pessoas de todos os lugares podiam ver…
Podiam ver umas às outras, fazendo as coisas que as pessoas fazem entre quatro paredes. Ninguém tinha mais onde se esconder.
Então acordei, e nunca soube se não ter nenhuma parede era uma coisa boa ou ruim. Não ter onde se esconder, poder ir a qualquer lugar; sem fingimento, sem proteção, sem segredos.
A terceira parede.
Disseram-me que a Grande Muralha da China é a única construção humana na superfície da Terra que pode ser vista do espaço.
Eu nunca vi a Terra do espaço. Não conheço ninguém que tenha feito isso.
Só vi as fotografias.
Disseram-me que, daquela distância, é muito mais difícil diferenciar um país do outro. Era de esperar que eles fossem coloridos, como nos velhos mapas da escola.
Assim todos diferenciariam.
A quarta parede.
Quando ouvi dizer que o Muro de Berlim caíra, minha primeira reação foi de alívio; mas então pensei: e se existisse uma jovem que passou anos – metade de sua vida – pintando naquele muro?
Pintando uma mensagem, ou uma imagem.
Se todas as manhãs ela se levantasse bem cedo, fosse até lá e pintasse um ou dois traços no muro. Todos os dias, na chuva, no frio, às vezes até no escuro. Era o seu grito contra a opressão. Seu protesto contra o muro.
Ela estava quase terminando quando tudo foi demolido. As pessoas poderiam ir e vir livremente. O muro contra o qual ela protestava não existia mais, assim como sua criação, desfeita em pedaços, vendida a um conlecionador particular…
Tento imaginar como ela se sentiu. Espero que não tenha ficado desapontada.
Eu teria ficado.
Encerramento.
Talvez devêssemos olhar além das paredes. 
Escutem: pintores, escritores, músicos, cineastas e grafiteiros que pintam frases que brotam como flores luminosas nas laterais de construções abandonadas – todos vocês. 
Existe uma quarta parede a ser demolida. Governos e autoridades vivem afirmando que boas cercas fazem bons vizinhos, e aumentam a vigilância nas fronteiras em um esforço para nos deixar felizes da maneira como estamos. 
Mas alguma coisa existe que não aprecia o muro, e seu nome é humanidade.

"Vier Mauern", traduzido em “Sinal e Ruído”, Conrad, 2011. Publicado pela primeira vez em 1990, inspirado na queda do Muro de Berlim.




Rebeca dos Anjos

4 comentários:

Francisco Dalsenter disse...

A gente ergue muros para nos diferenciar dos outros e nos proteger, mas quem são os outros a não ser nós mesmos???

Sorrisos e alegria para vc!

Francisco Dalsenter

Luiza Maciel Nogueira disse...

essa coisa de muro é uma defesa do medo de algo do outro lado

beijo

Raphael Grizotte Monteiro disse...

Quem não se vê tendo que erguer tais paredes quem que vive ao relento e teve a sorte de nascer lá !Eu em muito casos sou um pedreiro. Que tem que aprender em primeiro de tudo fazer pequenas casas com muitas paredes...

Fabio Rocha disse...

Lembrou The Wall doo Pink Floyd. Maneiro.

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